Eu me lembro de quando eu tinha 7 ou 8 anos e estava brincando com as minhas bonecas. Eu tinha uma sacola enorme de “coisas da barbie” todo tipo de miniaturas e quinquilharias que serviam de móveis para a casa que eu montava nas escadas do prédio, um cômodo por degrau, levava muito mais tempo montando a casa do que realmente desenvolvendo qualquer tipo de narrativa com as bonecas. Nesse dia em específico, não sei bem por que, mas eu me lembro de fazer um questionamento “porque adultos não brincam?”, eu passava horas entretida nas minhas brincadeiras e não conseguia entender o porquê dos adultos não brincarem, não parecia ter um motivo válido.
Recentemente passei por um trecho de uma fala da Rita Von Hunt onde ela questiona
“Em qual momento você deixou de desenhar, pintar, dançar e brincar?
E essa fala me levou direto pra esse pensamento da infância. O tempo passou (não dá pra dizer que cresci com os meus modestos 1,50m, mas vocês entenderam) e a realidade é que eu nunca respondi a essa pergunta. Não existe um motivo real ou uma proibição o que existe é uma pressão capitalista pra que todo tempo seja preenchido por trabalho e geração de valor, as únicas “brincadeiras” aceitáveis no capitalismo são os hobbies, mas somente aqueles que geram a compra impulsiva de dezenas de itens em um colecionismo sem fim, afinal esses itens vão valorizar com o tempo então seriam um investimento. Ou ainda os que você produz algo, mas que só é aceitável se aquilo virar uma fonte de renda, quem nunca ouviu o clássico “você cozinha tão bem, devia fazer pra vender?” ou “você é muito bom nisso, já pensou em vender curso?”
No final o brincar na vida adulta é uma forma de contravenção. Passar horas em uma atividade que não vai gerar nada valioso, que não te traz nenhum tipo de reconhecimento dos seus pares, somente aproveitando o seu tempo é um ato de rebeldia em um sistema que dita que um trabalho sem geração de lucro é inútil.
Enxergo muito esse pensamento no discurso de que adultos que assistem animação ou compram brinquedos que nunca tiveram na infância são infantis e precisam crescer, como se existisse um código de conduta da vida adulta onde o lúdico é totalmente proibido.
Eu apelidei isso carinhosamente de “efeito novalgina”. Existe uma versão da novalgina pra crianças, ela é em xarope e tem gosto de framboesa, enquanto por alguma razão a novalgina pra adultos tem o exato gosto do inferno. Se sempre foi possível fazer novalgina com gosto de framboesa porque a versão adulta tem esse gosto horrível? É como se existisse uma ideia intrínseca que a vida adulta precisa ser bege e triste, porque ser adulto é péssimo e a única parte da vida onde diversão é permitida é na infância.
Eu ouvia muito quando era criança “aproveite agora, porque ser adulto é terrível “ e quer saber? Eu gosto de ser adulto. Quer dizer, sim eu tenho que trabalhar, declarar imposto me faz sentir burra e crises de ansiedade são péssimas, mas eu fiz uma vida que vale a pena, onde eu faço todas essas coisas mas ainda brinco, desenho, canto e no final é isso que faz toda a chateação valer a pena (algo que nunca seria possível em a escala 6x1 não é mesmo).
Maturidade nunca foi sobre o que você consome, mas sim sobre ter responsabilidade e arcar com suas decisões. Seja assistindo um drama francês e usando terno, ou seja passando a tarde brincando com o brinquedo que você queria desde os 12 anos (não confundir com colecionismo, se Toy Story nos ensinou alguma coisa é que brinquedos servem para brincar e coisas na caixa são muito tristes).
Pra fechar esse post eu queria deixar essa foto que eu amo, esse rapaz tricotou sozinho esse snorlax gigante, ele não vai abrir uma loja de snorlax, não vai vender curso e nem criar conteúdo sobre como o snorlax dele incrível. A síntese do tempo bem desperdiçado.
Comments