top of page

A calma das manhãs



Durante a maior parte da minha vida meus cafés da manhã consistiam em momentos de caos. Desde criança minha rotina foi levantar, normalmente muito cedo, ligar a tv no jornal, ir na cozinha, preparar um pão com manteiga, achocolatado ou algo que o valha, colocar o prato na escrivaninha do quarto e mordiscar a comida enquanto vestia uma calça jeans gelada, prestando atenção no relógio pra não perder a hora, normalmente me atrasando no processo.

 

Salvo raros fins de semana onde podia comer com tempo em frente a tv, cafés da manhã eram sinônimos de correria e atenção no relógio. Isso acaba sendo um reflexo da vida da periferia, onde pra onde quer que você vá precisa acordar 3 horas mais cedo e pensar em 2 horas de transporte entre o local A e o local B, o que resulta em alarmes em horários insalubres e uma pressa de não perder um ônibus inevitavelmente lotado.

 

É curioso pensar como algo tão usual quanto o café da manhã se torna um reflexo da vida como um todo. Seja nas clássicas cenas das novela do Manuel Carlos com personagens tomando cafés em mesas fartas e as conversas despretensiosas com a família, onde existe um tempo infinito. Nas padarias clássicas onde um pingado é tomado ao som do jornal da manhã acompanhado de um pão na chapa e o mundo só parece correr como deveria. Ou nas feiras livres onde todo mundo come um pastel com caldo de cana cercado pelas sacolas com as compras da semana e envolvido na gritaria cotidiana das promoções.


Os cafés marcam o começo de um novo dia e parecem ditar seu ritmo.

 

Meus dias da pressa da manhã ficaram pra trás, não por me tornar uma protagonista chamada Helena de alguma novela em um núcleo rico,  mas por ter conseguido trabalhos home office. Por causa dele pude sair de São Paulo, aquela cidade enorme que a cada ano parecia mais claustrofóbica, e me mudar pro meio do mato, ou o mais meio do mato que a falta de habilitação me permitiu.

 

Parece que aqui a vida é mais lenta no geral. Na maioria dos dias consigo acordar com calma, coloco um lo-fi pra tocar, jogo comida pros canários que habitam meu quintal, preparo um lanche com o pão feito em casa, uma torrada com a geleia que preparei com a fruta da época, bato meu leite e sento na varanda pra tomar sol. Enquanto como eu penso na minha sorte,  enxergo um enorme privilégio em ter tempo pra ver a beleza do cotidiano e apreciar a calma das manhãs.

 


Comments


bottom of page